Governo Bolsonaro faz mudanças radicais em ministérios


Estrutura federal sofre alterações profundas. Tem fusão de ministérios, criação de pastas e mudanças em setores de grande impacto social, como direitos humanos, esporte, cultura e meio ambiente

Por meio da Medida Provisória nº 870, publicada na edição extra do Diário Oficial da União, o governo federal fez mudanças radicais em sua estrutura de funcionamento. Sete ministérios deixaram de existir — Esporte, Cultura, Planejamento, Fazenda, Indústria e Comércio, Trabalho e Segurança Pública —, enquanto dois foram criados, Economia e Cidadania, para incorporar setores estratégicos e dar fluência à gestão do país. Ao todo, há 22 pastas.

Ocorreram mudanças de funções e atribuições também em órgãos que foram mantidos. Entre as alterações mais polêmicas, está o remanejamento da competência para a demarcação de terras indígenas, que saiu da Funai para o Ministério da Agricultura.

Os Ministérios do Esporte e da Cultura deixaram de existir, tendo sua estrutura incorporada ao recém-criado Ministério da Cidadania. A pasta nasce com a responsabilidade de gerir entidades como a Agência Nacional de Cinema (Ancine), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). A exclusão do Ministério da Cultura, anunciada logo após as eleições, provocou polêmica entre artistas e demais agentes culturais do país.

No desenho do novo governo, surge ainda o superministério da Economia, que reúne atribuições dos extintos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio, como já havia sido anunciado.

Com as alterações, o Ministério da Agricultura, chefiado por Tereza Cristina (DEM-MS), que foi presidente da bancada ruralista no Congresso, ganha força na gestão do presidente Bolsonaro em relação a governos anteriores. A pasta também vai administrar o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), além de manter a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

A mudança sobre a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas e quilombolas causou críticas e preocupações entre especialistas e representantes dos povos tradicionais. A avaliação é de que o Ministério da Agricultura não tem equipe especializada para tratar do assunto. De acordo com dados da Funai, atualmente, o Brasil tem 462 terras indígenas regularizadas, o que representa cerca de 12,2% do território nacional. Mesmo que sejam para uso desses povos, o território demarcado continua sendo propriedade da União.

Numa mensagem publicada no Twitter, Bolsonaro falou sobre o assunto e respondeu às críticas. “Mais de 15% do território nacional é demarcado como terras indígenas e quilombolas. Menos de um milhão de pessoas vivem nesses lugares isolados do Brasil de verdade, exploradas e manipuladas por ONGs. Vamos juntos integrar esses cidadãos e valorizar a todos os brasileiros”, escreveu.

O secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Cleber Buzatto, afirmou que é grande a preocupação com a decisão de demarcações indígenas, uma vez que transfere a responsabilidade para os principais ‘inimigos’ dos povos. “A agricultura é o setor responsável por invasões e pressão para que as demarcações não ocorram. A perspectiva é de que a Constituição seja desrespeitada. Significa retirar de um órgão técnico e transferir para órgão que tem mais papel político”, disse. “Na prática, deixa de lado o tratamento técnico do tema e traz um tratamento político e ideológico, com o comando do setor de frontal oposição às demarcações de terras indígenas. Isso é preocupante.” Buzatto ressaltou que “o histórico dos povos indígenas é de resistência e de luta” e afirmou que a tendência é de que ocorram manifestações nos próximos dias.

Além disso, a pasta responsável pelo agronegócio também passa a incluir o Serviço Florestal Brasileiro, que sai do Ministério do Meio Ambiente. A agricultura torna-se responsável pelo cadastro de áreas florestais que integram a reserva legal de propriedades privadas, de acordo com o Código Florestal.

A Escola de Administração Fazendária (Esaf) passa a ser subordinada à Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Essa é uma alteração que já vinha sendo pensada nos últimos anos, mas sempre foi adiada pela resistência dos funcionários da Receita Federal à ideia. A Enap costuma estar sob o comando de integrantes da carreira de especialista em política pública e gestão governamental (EPPGG), mais conhecidos como gestores, antes vinculados ao Ministério do Planejamento e agora colegas dos funcionários da Receita na pasta da Economia.

Valorização

O economista Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, avaliou como positivas as fusões de ministérios e afirma que podem contribuir para a gestão da máquina pública. “Era inevitável reduzir a quantidade de pastas. A maioria dos países desenvolvidos possuem entre 15 e 16. Não é só uma questão de reduzir gastos públicos. É uma questão de dar maior funcionalidade ao governo”, argumentou. “Quanto aos setores incorporados na Agricultura, é necessário colocar secretários que sejam valorizados e que representem os segmentos pelos quais ficarem responsáveis.”

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) não é mencionado na nova estrutura, o que sugere que deixa de existir. O colegiado, com subordinação direta à Presidência da República, foi um marco dos governos petistas, instalado logo que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder, com a atribuição de implantar o programa Fome Zero. Tampouco há qualquer menção ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CNDES), o chamado Conselhão, na estrutura da Casa Civil.